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terça-feira, 31 de dezembro de 2013

As portas de 2014

Ficar concentrado na porta que se fechou pode impedir a visão de outras portas que se abrem:

A porta da vida - a vida não deve ser medida por aniversários mas sim por realizações. Não contemos a nossa idade com números; façamos um calendário com as nossas conquistas.

A porta do sonho - tudo o que hoje existe de grandioso foi outrora um sonho e os vencedores dedicam-se a realizar os seus sonhos, transformando-os em objectivos, mobilizando o seu potencial e agindo com disciplina em direcção à vitória.

A porta da inteligência - As portas abrem-se para caminhos, mas somos nós quem faz a caminhada. Aproveitemos cada momento para desenvolver a nossa inteligência e criatividade; as soluções já existem, basta encontrá-las.

A porta da consciência - A nossa consciência é mais importante que a nossa reputação. A consciência é o que nós somos e a reputação é o que os outros pensam que nós somos. Cada um de nós é muito mais do que os outros possam imaginar.

A porta da amizade - Nos momentos de crise os amigos são a nossa melhor referência. Cultivemos as amizades existentes e faça novas.

A porta da gratidão - tudo o que conseguimos na vida é com a ajuda de outras pessoas. Agradecer é uma boa forma de deixar os outros motivados.

A porta da prosperidade - todos nascem com potencial para o sucesso. Poder é saber querer.

A porta da cortesia - Se tratarmos bem as pessoas indiferentemente do que elas tenham ou sejam, teremos bons pensamentos e energias dirigidos a nós. Ser cortês ajudar-nos-á a chegar mais rápido onde queremos.

A porta da esperança - Pensemos bem: na nossa vida melhores dias sempre vieram; a vida tem as suas estações. A prova de que existem razões para termos esperança é que todos os ciclos têm início e fim.


A porta do ano novo – Realizemos muito, sonhemos bastante, obtenhamos vitórias, treinemos a nossa inteligência e criatividade, respeitemos a nossa consciência, prezemos as nossas amizades, sejamos agradecidos, prosperemos muito, sejamos corteses e acima de tudo, tenhamos esperança.


quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

O país morreu em Camarate

Francisco Sá Carneiro morreu em Camarate e, ainda que possa parecer exagero, com ele morreu o país. Não o país que conhecemos e que floresceu nos últimos 30 anos, mal governado e corrupto, mas o Portugal moderno, livre, democrata e social com que sonhava Sá Carneiro. 


Partiu precoce e inesperadamente quando contava 46 anos. Francisco Sá Carneiro, tinha uma visão única e modernista para Portugal. Homem com um sentido humanista e social sem paralelo deixou um país inteiro órfão das suas ideias.

Advogado de profissão e político de vocação, foi estudioso e discípulo da doutrina de Eduard Bernstein Karl Kautsky e decidiu combater, por dentro, a ditadura já enfraquecida pela Primavera Marcelista tendo sido eleito para a Assembleia Nacional. Assumiu-se rapidamente como líder da então denominada Ala Liberal contando com o apoio próximo e directo de homens como Mota Amaral, Magalhães Mota ou Francisco Pinto Balsemão.

O seu ensejo reformista levou-o a sonhar com um Portugal a caminhar gradualmente para a democracia, livre e ao jeito da social democracia nórdica. Foi o rosto da proposta de revisão constitucional de 1970 mas por não se ter ido tão longe como ansiava, demitiu-se do cargo. Voltou ao Porto, sua origem, onde com a ajuda de António Macedo, Mário Cal Brandão e Miguel Veiga fez surgir, já depois da Abril de 1974, o PPD, partido do qual foi o seu primeiro Secretário Geral.

No final de 1979 formou a Aliança Democrática com o PPM de Gonçalo Ribeiro-Teles e com o CDS de Diogo Freitas do Amaral, sucedendo a Maria De Lurdes Pintassilgo como Primeiro Ministro do VI Governo Constitucional a 3 de Janeiro de 1980, depois de ter conseguido a primeira maioria absoluta em democracia.

Dez meses após ter tomado posse e em plena campanha eleitoral para as presidenciais foi vítima de um atentado que o vitimou a si, a Adelino Amaro da Costa e à sua companheira de então, Snu Abecassis. Apoiante de António Soares Carneiro, preparava-se naquela noite de 4 de Dezembro de 1980 para discursar no comício de encerramento da campanha do General, mas um engenho explosivo tornou mais curta a sua viagem de Lisboa ao Porto. Francisco Sá Carneiro morreu em Camarate e, ainda que possa parecer exagero, com ele morreu o país. Não o país que conhecemos e que floresceu nos últimos 30 anos, mal governado e corrupto, mas o Portugal moderno, livre, democrata e social com que sonhava Sá Carneiro. 

Neste fatídico dia de 1980 iniciava-se também um dos mais vergonhosos episódios da história da democracia em Portugal - o caso Camarate, que seria o pronúncio da lógica de impunidade que conhecemos nos dias de hoje. Um inquérito preliminar foi instaurado imediatamente após o atentado. A conclusão, ou falta dela chegou praticamente um ano depois, a 9 de Outubro de 1981 e apontava para uma cada vez mais actual falta de indícios. Três dias depois Arala Chaves, à data PGR deliberou no sentido de se instaurar um processo público que, uma vez mais, a 16 de Fevereiro de 1983, determinou que o processo deveria aguardar produção de melhor prova. Instituiu-se a primeira Comissão Parlamentar de Inquérito e com base nas suas conclusões e testemunhos, entendeu o Ministério Público reabrir a investigação a 15 de Junho de 1983 requerendo a abertura de instrução preparatória, solicitando a inquirição dos Deputados que tinham composto aquela comissão, a fim de "esclarecerem todos os elementos novos e suplementares susceptíveis de conduzir à mais completa verdade material". 

Por entre avanços e recuos, pressões e lobbys, o processo conheceu outras nove Comissões Parlamentares de Inquérito. As conclusões da Quarta Comissão, conhecidas em 1991, apontam e reconhecem, finalmente, ter-se tratado de um atentado, tendo esta tese sido corroborada por todas as seis Comissões seguintes. 

Hoje parece ser mais ou menos consensual a tese de atentado, mas como em tantos outros casos, falta encontrar os responsáveis pelo crime e puni-los exemplarmente, mas como tão bem sabemos, por entre inquéritos, investigações, questões processuais, expedientes de advogados e juízes perniciosos, a montanha há-de, como sempre, parir um rato.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

A tão lusitana CNE

A Comissão Nacional de Eleições podia não ser uma instituição portuguesa? Podia mas não era a mesma coisa.
 
A recente polémica à volta da cobertura das eleições autárquicas é mais um extraordinário exemplo do que é ser português. Um exemplo de como existem uma multiplicidade de organismos públicos que deviam regular e não regulam, antes causam uma profunda atrofia ao normal funcionamento da democracia e da vida política, económica e social e que por essa razão não deviam existir ou cuja existência e funcionamento deveria ser reconsiderada.
 
Referir que todos os partidos e candidatos independentes às eleições autárquicas devem ter igualdade de tratamento, idêntica cobertura noticiosa e espaço de antena é algo que não lembra a ninguém de bom senso. 
 
Enquanto cidadão e eleitor o que exijo dos órgãos de informação é que dêem especial relevo, em primeiro lugar, aos candidatos que têm, de facto, capacidade para as disputar e, em segundo lugar, que tenham a destreza de, em conformidade com o seu critério editorial (entenda-se que baseado no interesse da coisa pública, digo eu), esperando esclarecer-me sobre as melhores políticas e as melhores propostas para o meu concelho ou freguesia.
 
Se pensarmos, por exemplo, na capital, é obviamente relevante saber o que pensam António Costa (PS) e Fernando Seara (PSD) e quais os seus projectos para o município e para os seus munícipes. Pode ainda existir algum espaço dedicado a ouvir as ideias de João Semedo (BE) ou João Ferreira (PCP), mas o que nos interessam as propostas do PTP, do PAN, do PPM/PPV/PND, do PCTP-MRPP ou do PNR?
 
As televisões, e muito bem, que são avaliadas pelos seus accionistas com base em critérios de competitividade intrínseca geradora de mais valias, decidiram unanimemente não dar cobertura ao festival de arruadas e comícios e excluíram os debates entre os candidatos da sua programação. E fizeram bem! Fizeram muito bem. Tristes figuras como as do candidato ninja do PTP à Câmara de Gaia, Manuel Almeida, devem ficar-se pelas redes sociais. São hilariantes mas acrescentam pouco.
 
E neste quadro perturbador fica a grande questão sobre como será com as legislativas? Podemos ouvir apenas o que têm para dizer Passos Coelho e Seguro, os bicéfalos do bloco, Portas e Jerónimo, ou precisaremos também de dar tempo da nossa vida a escutar personalidades ímpares da nossa sociedade como Amândio Madaleno, Paulo Borges, Baltazar Aguiar ou José Pinto Coelho?
 
Quanto à CNE é mais um fenómeno do tão lusitano mangadealcapismo e o seu parecer é mais um episódio que confirma que as leis do nosso país, obsoletas e arbitrárias não servem os interesses dos portugueses. Servem advogados, gestores e funcionariozinhos públicos como o Juiz Conselheiro Fernando Costa Soares.

 

terça-feira, 18 de junho de 2013

Os Professores segundo MST

Não sendo esse o objectivo nem a linha editorial deste blogue, o NIMBUS publica na íntegra um artigo publicado no jornal Expresso sobre os Professores por se rever absolutamente nas palavras de Miguel Sousa Tavares.

"A minha entrada no ensino foi feita numa pequeníssima aldeia rural do norte. Éramos uns 80 alunos, da 1ª à 4ª classe, todos juntos na mesma e única sala de aula da escola - que não me lembro se tinha ou não casas-de-banho, mas sei que não tinha qualquer espécie de aquecimento contra o frio granítico, de Novembro a Março, que nos colava às carteiras duplas, petrificados como estalactites. Lembro-me de que o "recreio" era apenas um pequeno espaço plano, enlameado no Inverno, e onde jogávamos futebol com uma bola feita de meias velhas e balizas marcadas com pedras. A escola não tinha um vigilante, um porteiro, uma secretária administrativa. Ninguém mais do que a D. Constança, a professora que, sozinha, desempenhava todas essas tarefas e ainda ensinava os rios do Ultramar aos da 4ª classe, a história pátria aos da 3ª, as fracções aos da 2ª, e as primeiras letras aos da 1ª. Ela, sozinha, constituía todo o pessoal daquilo a que agora se chama o 1º ciclo. Se porventura, adoecesse, ou se na aldeia houvesse, que não havia, um médico disposto a passar-lhe uma baixa psicológica ou outra qualquer quando não lhe apetecesse ir trabalhar, as 80 crianças da aldeia em idade escolar ficariam sem escola. Mas ela não falhou um único dia em todo o ano lectivo e eu saí de lá a saber escrever e para sempre apaixonado pela leitura. Devo-lhe isso eternamente.

Nesse tempo, não havia Parque Escolar, não havia pequenos-almoços na escola (que boa falta faziam!), não havia aquecimento nas salas, não havia o recorde de Portugal e da Europa de baixas profissionais entre os professores, não havia telemóveis nem iPads com os alunos, não havia "Magalhães" ao serviço dos meninos, mas sim lousas e giz, os professores não faziam greves porque estavam "desmotivados" ou "deprimidos" e a noção de "horário zero" seria levada à conta de brincadeira. Era assim a vida.

Não vou (notem: não vou) sustentar que assim é que estava bem. Limito-me a dizer que tudo é relativo e que nada do que temos por adquirido, excepto a morte, o foi sempre ou o será para sempre. E sei que na Finlândia - o país considerado modelo no ensino básico e secundário pela OCDE - os professores trabalham mais horas do que aqui, não faltam às aulas e ganham proporcionalmente menos. Com resultados substancialmente melhores, do único ponto de vista que interessa aos pais e aos contribuintes: o desempenho escolar dos alunos.

Só uma classe que recusou, como ultraje, a possibilidade de ser avaliada para efeitos de progressão profissional - isto é, uma classe onde os medíocres reivindicaram o direito constitucional de ganharem o mesmo que os competentes - é que se pode permitir a irresponsabilidade e a leviandade de decretar uma greve aos exames nacionais. Nisso, são professores exemplares: transmitem aos alunos o seu próprio exemplo, o exemplo de quem acha que os exames, as avaliações, são um incómodo para a paz de um sistema assente na desresponsabilização, na nivelação de todos por baixo, na ausência de estímulo ao mérito e ao esforço individual.

Mas a greve dos professores vai muito para lá deles: reflecte o estado de espírito de uma parte do país que não entendeu ou não quer entender o que lhe aconteceu. Deixem-me, então recordar: Portugal faliu. O Portugal das baixas psicológicas, dos direitos adquiridos para sempre, das falcatruas fiscais, das reformas antecipadas, dos subsídios para tudo e mais alguma coisa, dos salários iguais para os que trabalham e os que preguiçam, faliu. Faliu: não é mais sustentável. Podemos discutir, discordar, opormo-nos às condições do resgate que nos foi imposto e à sua gestão por parte deste Governo: eu também o faço e veementemente. Mas não podemos, se formos sérios, esquecer o essencial: se fomos resgatados, é porque fomos à falência; e, se fomos à falência, é porque não produzimos riqueza que possa sustentar o modo de vida a que nos habituámos. Se alguém conhece uma alternativa mágica, em que se possa ter professores sem crianças, auto-estradas sem carros, reformas sem dinheiro para as pagar, acumulando dívida a 6, 7 ou 8% de juros para a geração seguinte pagar, que o diga. Caso contrário, tenham pudor: não se fazem greves porque se acaba com os horários zero, porque se estabelece um horário semanal (e ficcional) de 40 horas de trabalho ou porque o Estado não pode sustentar o mesmo número de professores, se os portugueses não fazem filhos.

Por mais que respeite o direito à greve, causa-me uma sensação desagradável ver dirigentes sindicais, dos professores e não só, regozijarem-se porque ninguém foi trabalhar. Ver um sindicalismo de bota-abaixo constante, onde qualquer greve, qualquer manifestação, é muito mais valorizada e procurada do que qualquer acordo e qualquer negociação - como se, por cada português com vontade de trabalhar, houvesse outro cujo trabalho consiste em dissuadi-lo desse vício. Assim como me causa impressão, no estado em que o país está, saber que quase 200.000 trabalhadores pediram a reforma antecipada em 2012, mesmo perdendo dinheiro, e apesar de se queixarem da crise e dos constantes cortes nas pensões. Porque a mensagem deles é clara: "Eu, para já, mesmo perdendo dinheiro, safo-me. Os otários que continuarem a trabalhar e que se vierem a reformar mais tarde, em piores condições, é que lixam!" É o retrato de um país que parece ter perdido qualquer noção de destino colectivo: há um milhão de portugueses sem trabalho e grande parte dos que o têm, aparentemente, só desejam deixar de trabalhar. Será assim que nos livraremos da troika?

As coisas chegaram a um ponto de anormalidade tal, que, quando o ministro da Educação, no exercício do seu mais elementar dever - que é o de defender os direitos dos alunos contra a greve dos professores - convoca todos eles para vigiar os exames, aqui d'El Rey na imprensa bem-pensante que se trata de sabotar o legítimo direito à greve. Ou seja: que haja professores (que os há, felizmente!) dispostos a permitir que os alunos tenham exames é uma violação ilegítima do direito dos outros a que eles não tenham exames. Di-lo o dr. Garcia Pereira, o advogado dos trabalhadores e do dr. Jardim, infalível defensor da classe operária, e o mesmo que, no final do meu tempo de estudante, na Faculdade de Direito de Lisboa, invocando os ensinamentos do grande camarada Mao, decretava greve aos "exames burgueses" - que o fizeram advogado.

Não contesto que as greves, por natureza, causem incómodos a outrem - ou não fariam sentido. Mas há limites para tudo. Limites de brio profissional: um cirurgião não resolve entrar em grave quando recebe um doente já anestesiado pronto para a operação; um controlador aéreo não entra em greve quando tem um avião a fazer-se à pista; um bombeiro não entra em greve quando há um incêndio para apagar. Eu sei que isto que agora escrevo vai circular nos blogues dos professores, vai ser adulterado, deturpado, montado conforme dê mais jeito: já o fizeram no passado, inventando coisas que eu nunca disse, e só custa da primeira vez. Paciência, é isto que eu penso: esta greve dos professores aos exames, por muitas razões que possam ter, é inadmissível."

Miguel Sousa Tavares

quarta-feira, 12 de junho de 2013

A menina que não foi mulher

A primeira edição de 'O Diário de Anne Frank' data de 1947. Trata-se de uma obra ímpar que não espelha a tenra idade da sua autora, revelando, pelo contrário, a escrita madura e amargurada mas ao mesmo tempo viva de esperança.
 
A 12 de Junho de 1929, há precisamente 84 anos, nascia em Frankfurt uma menina, filha de Otto Frank e de Edith Frank-Hollander, no seio de uma família de judeus liberal que não cumpria todos os rituais, costumes e tradições judaicas.
 
Em 1933, o partido nazi de Adolf Hitler venceu as eleições municipais nesta cidade alemã. Em pleno dia de eleições, as manifestações antissemitas levaram a que a família Frank, composta por Otto, Edith, Anne e a filha mais velha do casal Margot, abandonasse de imediato a cidade rumo a Amesterdão onde Otto se estabeleceu como sócio da Opekta, uma empresa industrial situada junto a um dos muitos canais daquela cidade. Os Frank foram apenas 4 dos 300.000 alemães que se viram forçados a fugir da Alemanha entre 1933 e 1939.
 
Anne Marie Frank, foi matriculada numa escola de Amesterdão em Fevereiro de 1934 e desde logo revelou uma inigualável habilidade para a leitura e para a escrita. Anne, escrevia compulsivamente mas nunca deixou que os outros lessem os seus testemunhos.
 
Em Maio de 1940, a Alemanha nazi invade a Holanda e chega à cidade que havia acolhido a família Frank. Com as tropas e a ocupação chegam também a perseguição aos judeus e as leis discriminatórias e restritivas: De acordo com o novo quadro legal imposto, Anne Frank foi obrigada a deixar os estudos e o seu pai a vender a sua empresa.
 
Apesar de tudo, Anne foi sempre uma criança feliz e extrovertida e o dia do seu 13º aniversário, em 1942, acabou por ser um dos dias mais marcantes da história que eternizou a sua experiência: o pai ofereceu-lhe um caderno com uma estampa xadrez em vermelho e verde e com um pequeno cadeado na parte da frente que ela decidiu imediatamente utilizar como diário. Foi neste diário que passou a registar não apenas os aspectos da sua vida mundana, mas também uma abrangência extraordinária de assuntos relativos à ocupação e às leis impostas aos judeus.
 
Praticamente um mês depois, A família optou por simular uma fuga para a Suiça e por se transferir para um anexo nas traseiras e no sótão da fábrica onde passou a viver reclusa. O Achterhuis  ou anexo secreto era um espaço de três andares, com entrada a partir de um patamar acima dos escritórios da Opekta. Duas salas pequenas, com uma pequena casa de banho contígua ficavam no primeiro nível, acima de um maior espaço aberto, com uma pequena sala ao lado. A partir desta sala menor, uma escada levava ao sótão. A porta para o Achterhuis foi, posteriormente, coberta por uma estante de livros para garantir que ele permanecesse oculto. O edifício principal, situado a um quarteirão da Westerkerk , era o tipo de edifício típico dos bairros ocidentais de Amesterdão.
 
Victor Kugler, Johannes Kleiman, Miep Gies e Bep Voskuijl, zelosos funcionários da Opekta e os únicos que sabiam dos moradores escondidos, foram abastecendo os Frank de víveres e de outros produtos essencias para se manterem vivos e informados sobre a situação sem terem necessidade de sair do anexo. Otto continuou a dirigir a fábrica dentro do anexo onde se alojou com a sua família e onde mais tarde acolheu uma outra - os van Pels.
 
A 4 de Agosto de 1944 e após uma ardilosa denúncia cujo autor ainda hoje se desconhece, a polícia descobriu o anexo secreto. Anne Frank, e a sua família, foram levados para a sede da Gestapo, onde foram interrogados e detidos durante a noite. No dia seguinte, foram transferidos para uma prisão superlotada na Weteringschans. Dois dias depois, foram de novo transportados para Westerbock, aparentemente um campo de trânsito por onde, por esta altura, já haviam passado mais de 100.000 judeus.
 
No dia 3 de Setembro, o grupo que incluia as duas famílias foi finalmente transferido para o campo da morte de Auschwitz-Birkenau. No momento da chegada, todas as crianças menores de 15 anos foram imediatamente para as câmaras de gás (Anne Frank havia cumprido os 15 anos três meses antes) e alguns membros do grupo seguiram por caminhos diferentes nunca mais se voltando a reencontrar. Anne ficou com a sua mãe e a sua irmã Margot.
 
Em Outubro de 1944, Anne Frank viria a conhecer a sua última morada: o campo para mulheres de Bergen-Belsen, para onde foi transportada com a sua irmã depois da morte da mãe Edith. Em Março de 1945 e pouco antes da libertação dos campos, uma epidemia de tifo atingiu, Margot primeiro e Anne depois. Ambas viriam a falecer, com um intervalo de dias, na primavera que traria todas as outras primaveras.
 
Otto Frank resistiu a Auschwitz e voltou a Amesterdão depois da guerra na expectativa, que jamais viria a concretizar-se, de reencontrar a sua família. Encontrou, no entanto, Miep Gies e Bep Voskuijl que após terem sido interrogados pela Gestapo em Agosto de 1944 voltaram ao anexo e recolheram os escritos, as memórias e algumas fotografias de Anne.
 
Em Julho de 1945, a Cruz Vermelha Internacional confirmou a Otto a morte das suas filhas e Miep Gies e Bep Voskuijl entregaram-lhe todas as recordações que Anne havia deixado. Otto Frank terá afirmado desconhecer esta faceta da sua filha: "Eu não tinha ideia da profundidade dos seus pensamentos e sentimentos ... Ela tinha guardado todos esses sentimentos para si mesma". Nesse momento decidiu que o mundo havia de conhecer a história da sua filha, morta muito precocemente pela loucura e pelo hediondismo nazi, e começou a organizar toda a informação. A primeira edição de 'O Diário de Anne Frank' data de 1947. Trata-se de uma obra ímpar que não espelha a tenra idade da sua autora, revelando, pelo contrário, a escrita madura e amargurada mas ao mesmo tempo viva de esperança.
 
O legado de Anne Frank está hoje muito para lá dos seus testemunhos: a 3 de Maio de 1957, um grupo de cidadãos, incluindo Otto Frank, estabeleceram o Anne Frank Stichting num esforço para resgatar o armazém e o anexo da demolição e torná-lo acessível ao público: a Casa de Anne Frank foi inaugurada a 3 de maio de 1960 e é hoje uma das principais atracções de Amesterdão. Em 1963, Otto Frank e a sua segunda esposa, Elfriede Geiringer-Markovits, criaram o Fundo Anne Frank como uma fundação sem fins lucrativos, com sede em Basileia, Suíça. O Fundo, que detêm os direitos da obra, arrecada dinheiro para doar para causas humanitárias, cívicas e sociais.
 
A história da vida interrompida de Anne Frank foi reeditada centenas de vezes, reproduzida em dezenas de peças de teatro e em vários filmes e deve ser algo que jamais deveremos esquecer: antes relembrar para evitar.



sexta-feira, 31 de maio de 2013

Jesus, o Papa e o Jumento


Situação actual: Jesus sente não ter condições para continuar e não quer continuar; Vieira partilha a falta de condições de Jesus, não quer mantê-lo à frente da equipa, mas não quer pagar uma indemnização brutal a um treinador que não chega sequer a trabalhar um único dia relativo a este novo contrato e tem medo, não que rume a norte, mas que rume a norte e tenha sucesso; Pinto da Costa, continua à espera do desenlace de Jesus e mantém o jumento preso por uma corda; Vítor Pereira, assume-se oficialmente como jumento ao permitir-se estar neste limbo.
 

A observação com que intitulo este artigo não tem nada de religioso. Não fala do Jesus bíblico, do Papa, líder da igreja católica apostólica romana nem tão pouco do jumento enquanto figura do presépio. É apenas uma alegoria que explica a minha intuição sobre a problemática de Jesus, o ainda treinador do Benfica, Pinto da Costa, Presidente do FC Porto, e o Jumento, o modo encontrado pelos adeptos do FC Porto para, carinhosamente, se referirem ao seu treinador.

Há pouco mais de um mês, Jesus, preparava-se para coroar de glória a sua temporada e era um treinador muito apreciado, tanto na luz como no dragão. Tal facto permitiu-lhe resistir ao assédio do seu presidente para que se mantivesse em funções com um salário substancialmente menor do que aquele que tinha vindo a auferir - Jesus sabia que Pinto da Costa estaria disposto a manter o seu soldo para fazer o seu rival engolir mais este sapo.

O processo no ultimo mês sofreu avanços que se revelam muito difíceis de conhecer recuos. Conhecem-se afirmações de Vieira desmentidas imediatamente por Jesus e vice versa. Jesus perdeu o campeonato no dragão e isso terá feito Vieira repensar se seria este o homem certo para se manter ao leme da nau benfiquista. Ao mesmo tempo e pelas mesmas razões, Pinto da Costa e algumas figuras proeminentes da SAD portista vacilaram também no seu objectivo de levar Jesus para o dragão.

Foi apenas nesse momento e perante tal indefinição que Jesus quebrou o tabu: decidiu jogar pelo seguro e assumir o seu desejo de continuar, negando, no entanto, qualquer acordo formal ou informal com Luís Filipe Vieira: referiu apenas conversas!...

Na final de Amesterdão, e apesar de ter saído derrotado do ArenA, Jesus recuperou a centelha plasmada na imprensa nacional e internacional, a confiança dos adeptos e a cobiça de Pinto da Costa. Relembro as afirmações da noite: Jesus diz que a derrota o faz repensar muitas coisas e minutos depois Vieira assegura que Jesus será o treinador do Benfica na próxima época. Esta cobiça do Papa, intuição minha, claro está, levou Vieira a apressar-se a colocar o papel à frente de Jesus para que este o assinasse e prolongasse por mais dois anos a sua presença no banco do Benfica pagando-lhe o mesmo.

Sabendo que Pinto da Costa saliva por Jesus como o cão de Pavlov quando ouve o sino, Vieira decidiu não anunciar o acordo formal, prolongar-lhe a agonia e mantê-lo sem saber o que fazer a Vítor Pereira, o jumento bicampeão, que provou competência na gestão da equipa mas que ao dispor-se a estes papeis de embrulho dá razão aos adeptos que o acusam de uma avassaladora falta de carisma.

Mas veio a tarde de domingo no Jamor, e com ela mais uma humilhante derrota para o Benfica e para Jesus que acabou da pior maneira possível... Quase agredido por um seu jogador e apupado fortemente pelos adeptos da sua equipa noutros tempos acérrimos defensores da sua competência.

Ora... Face a estes últimos acontecimentos, Jesus não tem mais condições para continuar no benfica: na noite do ultimo desaire, um programa televisivo convidou os telespectadores a pronunciarem-se através do televoto quanto à sua continuidade e 86% disse ser da opinião de que Jesus devia sair.

Há quem com justiça fale do bom trabalho, do bom futebol, da valorização dos atletas, da presença nas decisões, mas há também quem considere o trabalho de Jesus um autentico fracasso: perdeu três dos quatro campeonatos disputados, dois dos quais perdidos de maneira inacreditável, em épocas em que o Benfica fez investimentos astronómicos na sua equipa de futebol.

Posto isto, o que segura Jesus ao benfica? Apenas o medo que os seus dirigentes têm de que rume a norte onde também não é consensual? Não... O que segura Jesus ao Benfica e que provavelmente o fará ser o seu treinador em 2013/2014 é o papel que já está assinado e que face aos valores anunciados para o salário deverá considerar uma avultadíssima soma a liquidar em caso de incumprimento.

Situação actual: Jesus sente não ter condições para continuar e não quer continuar; Vieira partilha a falta de condições de Jesus, não quer mantê-lo à frente da equipa, mas não quer pagar uma indemnização brutal a um treinador que não chega sequer a trabalhar um único dia relativo a este novo contrato e tem medo, não que rume a norte, mas que rume a norte e tenha sucesso; Pinto da Costa, continua à espera do desenlace de Jesus e mantém o jumento preso por uma corda; Vítor Pereira, assume-se oficialmente como jumento ao permitir-se estar neste limbo.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

A verdade de Bush

O risco é grave e crescente e o preço da inquietante indiferença com que a comunidade internacional olha estes regimes pode ser verdadeiramente catastrófico.

 
A 29 de Janeiro de 2002, George W. Bush referiu, no discurso sobre o estado da nação, existir um eixo do mal formado pelo Iraque, o Irão e a Coreia do Norte.

Por essa altura, Bush preparava a nação e a opinião pública mundial para o que viria acontecer em Março seguinte: a invasão do Iraque por tropas americanas sustentada nas suspeitas existentes de que o Iraque dispunha de armas de destruição maciça. As ditas armas nunca foram encontradas e as criticas à ocupação dos Estados Unidos e dos seus aliados aumentou de tom. Ainda que se possa colocar em causa a ideia de que essas armas existiam aquando da invasão, a verdade é que pelo menos antes da entrada das forças aliadas no território iraquiano elas não só existiam como foram usadas para reprimir os curdos no extremo norte do país.

Mas é em relação aos outros dois integrantes do eixo do mal que a verdade de Bush é particularmente assertiva. Os regimes de Teerão e de Pyongyang constituem hoje as duas maiores ameaças à paz mundial, reiterando nas suas provocações e ameaças sobre outros povos e nações.

Teerão, ao mesmo tempo que suporta confortavelmente o peso das sanções impostas pela diplomacia internacional, desenvolve aceleradamente o seu programa nuclear que visa erradicar o vizinho Israel do mapa. O regime dos Ayatollahs é, há muito sabido, um dos grandes patrocinadores do terrorismo internacional apoiando movimentos como o Hezbollah que contribuem fortemente para a instabilidade na região.

Pyongyang, deixa os seus cidadãos a morrer de fome enquanto investe desmesuradamente no seu programa nuclear e no reforço do seu aparelho militar. Kim Jong-Un tem estado em particular destaque nas ultimas semanas multiplicando as suas provocações aos Estados Unidos, à Coreia do Sul e ao Japão.

De facto, Estados como estes representam um eixo do mal conforme profetizou George W. Bush: aproveitam os recursos dos seus países e das suas comunidades para se armarem e para ameaçarem os seus vizinhos e os seus inimigos não revelando um mínimo de respeito pelos seus povos cada vez mais votados à pobreza.

O risco é grave e crescente e o preço da inquietante indiferença com que a comunidade internacional olha estes regimes pode ser verdadeiramente catastrófico.