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quarta-feira, 12 de junho de 2013

A menina que não foi mulher

A primeira edição de 'O Diário de Anne Frank' data de 1947. Trata-se de uma obra ímpar que não espelha a tenra idade da sua autora, revelando, pelo contrário, a escrita madura e amargurada mas ao mesmo tempo viva de esperança.
 
A 12 de Junho de 1929, há precisamente 84 anos, nascia em Frankfurt uma menina, filha de Otto Frank e de Edith Frank-Hollander, no seio de uma família de judeus liberal que não cumpria todos os rituais, costumes e tradições judaicas.
 
Em 1933, o partido nazi de Adolf Hitler venceu as eleições municipais nesta cidade alemã. Em pleno dia de eleições, as manifestações antissemitas levaram a que a família Frank, composta por Otto, Edith, Anne e a filha mais velha do casal Margot, abandonasse de imediato a cidade rumo a Amesterdão onde Otto se estabeleceu como sócio da Opekta, uma empresa industrial situada junto a um dos muitos canais daquela cidade. Os Frank foram apenas 4 dos 300.000 alemães que se viram forçados a fugir da Alemanha entre 1933 e 1939.
 
Anne Marie Frank, foi matriculada numa escola de Amesterdão em Fevereiro de 1934 e desde logo revelou uma inigualável habilidade para a leitura e para a escrita. Anne, escrevia compulsivamente mas nunca deixou que os outros lessem os seus testemunhos.
 
Em Maio de 1940, a Alemanha nazi invade a Holanda e chega à cidade que havia acolhido a família Frank. Com as tropas e a ocupação chegam também a perseguição aos judeus e as leis discriminatórias e restritivas: De acordo com o novo quadro legal imposto, Anne Frank foi obrigada a deixar os estudos e o seu pai a vender a sua empresa.
 
Apesar de tudo, Anne foi sempre uma criança feliz e extrovertida e o dia do seu 13º aniversário, em 1942, acabou por ser um dos dias mais marcantes da história que eternizou a sua experiência: o pai ofereceu-lhe um caderno com uma estampa xadrez em vermelho e verde e com um pequeno cadeado na parte da frente que ela decidiu imediatamente utilizar como diário. Foi neste diário que passou a registar não apenas os aspectos da sua vida mundana, mas também uma abrangência extraordinária de assuntos relativos à ocupação e às leis impostas aos judeus.
 
Praticamente um mês depois, A família optou por simular uma fuga para a Suiça e por se transferir para um anexo nas traseiras e no sótão da fábrica onde passou a viver reclusa. O Achterhuis  ou anexo secreto era um espaço de três andares, com entrada a partir de um patamar acima dos escritórios da Opekta. Duas salas pequenas, com uma pequena casa de banho contígua ficavam no primeiro nível, acima de um maior espaço aberto, com uma pequena sala ao lado. A partir desta sala menor, uma escada levava ao sótão. A porta para o Achterhuis foi, posteriormente, coberta por uma estante de livros para garantir que ele permanecesse oculto. O edifício principal, situado a um quarteirão da Westerkerk , era o tipo de edifício típico dos bairros ocidentais de Amesterdão.
 
Victor Kugler, Johannes Kleiman, Miep Gies e Bep Voskuijl, zelosos funcionários da Opekta e os únicos que sabiam dos moradores escondidos, foram abastecendo os Frank de víveres e de outros produtos essencias para se manterem vivos e informados sobre a situação sem terem necessidade de sair do anexo. Otto continuou a dirigir a fábrica dentro do anexo onde se alojou com a sua família e onde mais tarde acolheu uma outra - os van Pels.
 
A 4 de Agosto de 1944 e após uma ardilosa denúncia cujo autor ainda hoje se desconhece, a polícia descobriu o anexo secreto. Anne Frank, e a sua família, foram levados para a sede da Gestapo, onde foram interrogados e detidos durante a noite. No dia seguinte, foram transferidos para uma prisão superlotada na Weteringschans. Dois dias depois, foram de novo transportados para Westerbock, aparentemente um campo de trânsito por onde, por esta altura, já haviam passado mais de 100.000 judeus.
 
No dia 3 de Setembro, o grupo que incluia as duas famílias foi finalmente transferido para o campo da morte de Auschwitz-Birkenau. No momento da chegada, todas as crianças menores de 15 anos foram imediatamente para as câmaras de gás (Anne Frank havia cumprido os 15 anos três meses antes) e alguns membros do grupo seguiram por caminhos diferentes nunca mais se voltando a reencontrar. Anne ficou com a sua mãe e a sua irmã Margot.
 
Em Outubro de 1944, Anne Frank viria a conhecer a sua última morada: o campo para mulheres de Bergen-Belsen, para onde foi transportada com a sua irmã depois da morte da mãe Edith. Em Março de 1945 e pouco antes da libertação dos campos, uma epidemia de tifo atingiu, Margot primeiro e Anne depois. Ambas viriam a falecer, com um intervalo de dias, na primavera que traria todas as outras primaveras.
 
Otto Frank resistiu a Auschwitz e voltou a Amesterdão depois da guerra na expectativa, que jamais viria a concretizar-se, de reencontrar a sua família. Encontrou, no entanto, Miep Gies e Bep Voskuijl que após terem sido interrogados pela Gestapo em Agosto de 1944 voltaram ao anexo e recolheram os escritos, as memórias e algumas fotografias de Anne.
 
Em Julho de 1945, a Cruz Vermelha Internacional confirmou a Otto a morte das suas filhas e Miep Gies e Bep Voskuijl entregaram-lhe todas as recordações que Anne havia deixado. Otto Frank terá afirmado desconhecer esta faceta da sua filha: "Eu não tinha ideia da profundidade dos seus pensamentos e sentimentos ... Ela tinha guardado todos esses sentimentos para si mesma". Nesse momento decidiu que o mundo havia de conhecer a história da sua filha, morta muito precocemente pela loucura e pelo hediondismo nazi, e começou a organizar toda a informação. A primeira edição de 'O Diário de Anne Frank' data de 1947. Trata-se de uma obra ímpar que não espelha a tenra idade da sua autora, revelando, pelo contrário, a escrita madura e amargurada mas ao mesmo tempo viva de esperança.
 
O legado de Anne Frank está hoje muito para lá dos seus testemunhos: a 3 de Maio de 1957, um grupo de cidadãos, incluindo Otto Frank, estabeleceram o Anne Frank Stichting num esforço para resgatar o armazém e o anexo da demolição e torná-lo acessível ao público: a Casa de Anne Frank foi inaugurada a 3 de maio de 1960 e é hoje uma das principais atracções de Amesterdão. Em 1963, Otto Frank e a sua segunda esposa, Elfriede Geiringer-Markovits, criaram o Fundo Anne Frank como uma fundação sem fins lucrativos, com sede em Basileia, Suíça. O Fundo, que detêm os direitos da obra, arrecada dinheiro para doar para causas humanitárias, cívicas e sociais.
 
A história da vida interrompida de Anne Frank foi reeditada centenas de vezes, reproduzida em dezenas de peças de teatro e em vários filmes e deve ser algo que jamais deveremos esquecer: antes relembrar para evitar.



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