Contrariamente à crise islandesa, conjuntural, a crise portuguesa é estrutural, económica e muitíssimo mais grave do que a primeira. Resulta de mais de 30 anos de governos e de políticas incompetentes, de um estado altamente despesista e gastador, de um sistema político inadequado e corrupto, da ruína imposta pelas empresas do regime, da má gestão e do défice crónico das empresas públicas que albergam todo o tipo de incapazes, dos cargos, dos carros, das secretárias e dos motoristas, dos banqueiros e dos seus amigos, das reformas dos funcionários públicos aos quarenta anos, das baixas e dos subsídios fraudulentos e das parcerias público-privadas.
Há muito quem por desconhecimento de causa e por provincianismo queira comparar Islândia e Portugal, vendo neste país do círculo polar ártico um exemplo de actuação para a resolução da crise nacional, referindo não parcas vezes que aquele país teve uma crise, uma intervenção externa, e que volvidos três anos voltou a ter uma economia em crescimento, esquecendo-se contudo das diferenças colossais entre as duas nações. Com efeito, falamos de países muito distintos, com um modelo económico e social diferente, com uma população culturalmente nos antípodas uma da outra e até a crise que ousam comparar teve uma génese e consequências díspares.
Desde logo a questão administrativa dos dois países deixa antever enormes diferenças na forma como políticos e demais agentes públicos se organizam e gastam os recursos: a Islândia, com um território um pouco maior do que o português tem 79 divisões contra os 308 concelhos de Portugal (aos quais há ainda que juntar 4.259 freguesias). Sem necessidade de alimentar empresas de regime e políticos corruptos, não existem parcerias público privadas e a rede de auto estradas islandesa é sete vezes inferior à portuguesa. A Islândia tem um parlamento com 63 deputados e Portugal tem 230.
Em termos populacionais, a Islândia tem 318 mil habitantes, menos de um terço da população de Lisboa ao passo que Portugal leva, segundo os últimos censos, mais de 11 milhões. A percentagem de activos é outro dos aspectos a referir: 56% na Islândia e apenas 49% em Portugal.
O modelo económico islandês é um pequeno milagre: o país não dispõe de nenhuma indústria significativa, dedicando-se sobretudo ao sector primário. A agricultura e a pesca, sobretudo esta última são as actividades de referência num país que visa apenas produzir para consumo próprio, facto que lhe é permitido pela muito baixa densidade populacional. Dir-se-ia deste modo que um dos segredos deste milagre é o de ter uma balança externa equilibrada, sendo regra exportar muito pouco e importar ainda menos. A dados de 2008, a Islândia era apenas o 115º exportador do mundo com 5,3 mil milhões de dólares mas era o 130º importador com 4,5 mil milhões. Portugal registava um enorme desequilíbrio neste indicador: era o 39º importador com 77,25 mil milhões de dólares e o 56º exportador com apenas 55,8 mil milhões.
A Islândia tem um modelo social protector e eficaz. Os seus cidadãos estão sujeitos a uma carga fiscal sobre o rendimento maior ainda do que os portugueses, mas todos os seus restantes impostos são mais baixos, o que incrementa o poder aquisitivo real das empresas e das famílias por duas vias: os preços são bastante mais baixos e muitos dos serviços são prestados pelo estado. Um estudo recente elaborado nos países da Escandinávia levou à conclusão de que os habitantes de países como a Dinamarca, a Suécia, a Noruega ou a Finlândia estavam tão satisfeitos com o seu estado social que não se importavam de pagar mais impostos simplesmente porque têm a sensação de que as suas contribuições vão direitas para o seu próprio bem-estar e para o da sociedade.
Os islandeses são ainda muito mais produtivos do que os portugueses: o produto interno bruto per capita da Islândia é o 25º maior do mundo com 38.500 dólares ocupando Portugal o 55º lugar da lista com apenas 23.700 e são os portugueses quem tem de enfrentar uma dívida externa quatro vezes e meia superior à islandesa.
E, para finalizar, a maior das diferenças: Portugal é um dos estados membros da União Europeia e da zona euro, tendo por isso compromissos e constrangimentos inalienáveis que o impedem de tomar livremente as suas decisões estratégicas em matéria de política económica, ao passo que a Islândia tem a sua própria moeda, a coroa islandesa, e pode assim estabelecer e ajustar a sua política cambial à realidade da sua natureza económica.
Quanto à crise, importa olhar para a sua génese, primeiro, para o seu enquadramento em seguida e para as consequências, depois. A Islândia foi, em 2008, um dos primeiros países do mundo a ser afectado pelo colapso do Lehman Brothers. O Landsbanski, o Glitnir e o Kaupthing, três dos maiores bancos islandeses, faliram e tiveram de ser nacionalizados pelo governo de Reiquiavique no espaço recorde de apenas 3 dias.
Segundo Gylfi Zoega, membro do banco central islandês e uma das personalidades ouvidas no documentário Inside Job, o problema começou na viragem do século, quando o estado decidiu promover a criação de um centro financeiro, à semelhança do existente em Londres com taxas de juro reduzidas, falta de regulação e de supervisão.
Neste cenário, uma mistura explosiva entre banca de investimento e banca comercial orquestrou um esquema em que os bancos comerciais estavam a ser usados para pedir dinheiro emprestado noutros países, com a garantia implícita do Estado, para financiar projectos de investimento dos donos destes bancos e dos seus amigos. Os volumes de dinheiro emprestado levaram a que os três maiores bancos tivessem uma dívida combinada dez vezes superior ao produto interno bruto da Islândia. A garantia dada pelo estado islandês era extraordinariamente valiosa uma vez que o país não tinha qualquer historial de incumprimento não existindo sequer dívida soberana.
Contrariamente à crise islandesa, conjuntural, a crise portuguesa é estrutural, económica e muitíssimo mais grave do que a primeira. Resulta de mais de 30 anos de governos e de políticas incompetentes, de um estado altamente despesista e gastador, de um sistema político inadequado e corrupto, da ruína imposta pelas empresas do regime, da má gestão e do défice crónico das empresas públicas que albergam todo o tipo de incapazes, dos cargos, dos carros, das secretárias e dos motoristas, dos banqueiros e dos seus amigos, das reformas dos funcionários públicos aos quarenta anos, das baixas e dos subsídios fraudulentos e das parcerias público-privadas.
A crise da Islândia não se resolveu prendendo os banqueiros e o primeiro-ministro. Resolveu-se porque através de um referendo o povo decidiu não pagar aos credores bancários originando problemas diplomáticos com diversos países como a Inglaterra e a Holanda que tinham cidadãos muito afectados pela falência dos seus bancos. A Islândia recusou proteger os credores dos seus bancos, que entraram em falência em 2008 depois de as suas dívidas terem atingido 10 vezes mais do que a dimensão da economia. A decisão da ilha de se proteger de uma fuga de capitais, restringindo a circulação da sua moeda fê-la cair 80% face ao euro e permitiu ao Governo repelir um ataque especulativo, estancando a hemorragia da economia. Isso ajudou as autoridades a concentrarem-se no apoio às famílias e às empresas utilizando para este efeito grande parte do montante do resgate do Fundo Monetário Internacional.
A crise da Islândia foi aparentemente resolvida – veremos no futuro quais as consequências que o país terá de enfrentar no campo da diplomacia económica - com três medidas principais: não pagar aos credores dos bancos falidos que nacionalizou, restringir a circulação da coroa islandesa e utilizar os 2,1 mil milhões de euros do resgate para apoiar as famílias e as empresas.
Para se medir o alcance da nossa crise e para que se possa comparar a sua dimensão com a crise islandesa, refira-se que o valor de resgate do FEEF (tido por alguns como insuficiente) foi de 78 mil milhões de euros e, que desses, 12 mil milhões são exclusivamente para recapitalizar a banca nacional.
Mas, poderia Portugal ter feito diferente? No caso BPN, sim. Após tomar a decisão de o nacionalizar deveria ter indemnizado os seus credores e encerrar imediatamente o Banco tentando recuperar todos os créditos devidos. Não o ter feito foi um erro estratégico que terá ajudado a que o preço a pagar pelos contribuintes esteja hoje estimado em mais do dobro dos cinco mil milhões inicialmente previstos. O estado assumiu todas as imparidades, não cobrou parte significativa das dívidas ao banco e desmembrou a holding que tinha muitos negócios interessantes.
Quanto a tudo o resto Portugal, fez o que lhe foi imposto pelo Fundo Monetário Internacional, pelo Banco Central Europeu e pela União Europeia. Não tinha uma moeda como ferramenta cambial para uma estratégia keynesiana e o programa de ajustamento obrigou o país a implementar medidas de austeridade sobre medidas de austeridade.
Tal como a Islândia, devia ter julgado e preso os banqueiros e os seus amigos, o chefe de governo, exilado em Paris, e uns quantos ministros e secretários de estado mas o apodrecido sistema político-partidário e o seu conluio com a justiça jamais o permitiria. E o certo é que não contribuiria com nada a não ser, talvez, com uma maior mobilização dos seus cidadãos sabendo então que os culpados pela perda dos seus empregos e pela perda da sua qualidade de vida tinham um rosto e seriam punidos.
Importa para finalizar esclarecer algumas questões que têm sido mal abordadas por conveniência ou por desconhecimento: a Islândia não transitou de um governo de direita para um de esquerda, mas sim de um governo conservador para um social-democrata; a crise da Islândia, como atrás se viu, não tem os contornos, características e dimensão da crise portuguesa (veja-se o montante do empréstimo que cada país recebeu); a Islândia decidiu não pagar aos depositantes e credores dos bancos nacionalizados e não às instâncias internacionais responsáveis pelo resgate, entenda-se FMI; Portugal, ao contrário da Islândia e das duas anteriores presenças do FMI não tem liberdade cambial nem capacidade de impor as suas regras na negociação com a troika; a Islândia que em 2010 iniciou o seu processo de integração na União Europeia e na zona euro, recuou e parece ter desistido da adesão à moeda única; a gestão dos recursos públicos na Islândia é infinitamente mais criteriosa e rigorosa do que a portuguesa e a população tem uma consciência colectiva e social que Portugal não tem; a crise na Islândia não se resolveu julgando e prendendo pessoas; a Islândia aceitou, com a eleição de um novo governo, aprovar uma nova e mais adequada constituição.
Tal como a Islândia, devia ter julgado e preso os banqueiros e os seus amigos, o chefe de governo, exilado em Paris, e uns quantos ministros e secretários de estado mas o apodrecido sistema político-partidário e o seu conluio com a justiça jamais o permitiria. E o certo é que não contribuiria com nada a não ser, talvez, com uma maior mobilização dos seus cidadãos sabendo então que os culpados pela perda dos seus empregos e pela perda da sua qualidade de vida tinham um rosto e seriam punidos.
Importa para finalizar esclarecer algumas questões que têm sido mal abordadas por conveniência ou por desconhecimento: a Islândia não transitou de um governo de direita para um de esquerda, mas sim de um governo conservador para um social-democrata; a crise da Islândia, como atrás se viu, não tem os contornos, características e dimensão da crise portuguesa (veja-se o montante do empréstimo que cada país recebeu); a Islândia decidiu não pagar aos depositantes e credores dos bancos nacionalizados e não às instâncias internacionais responsáveis pelo resgate, entenda-se FMI; Portugal, ao contrário da Islândia e das duas anteriores presenças do FMI não tem liberdade cambial nem capacidade de impor as suas regras na negociação com a troika; a Islândia que em 2010 iniciou o seu processo de integração na União Europeia e na zona euro, recuou e parece ter desistido da adesão à moeda única; a gestão dos recursos públicos na Islândia é infinitamente mais criteriosa e rigorosa do que a portuguesa e a população tem uma consciência colectiva e social que Portugal não tem; a crise na Islândia não se resolveu julgando e prendendo pessoas; a Islândia aceitou, com a eleição de um novo governo, aprovar uma nova e mais adequada constituição.
Deixando de parte do comentário pouco "simpático" do segundo parágrafo importa clarificar que a social-democracia islandesa é efectivamente de cariz socialista, sendo que a actual coligação no poder é inclusivamente membro da Internacional Socialista.
ResponderEliminarDinamarca, Suécia, Finlândia e Islândia: Todos estes países têm partidos sociais democratas que fazem parte da internacional socialista. Trata-se da social democracia nórdica, que inspirou humanistas como Francisco Sá Carneiro, mas que infelizmente, devido a políticas errads e à corrupção dos estados, passou a ser uma utopia para os países do sul da europa.
ResponderEliminarNão é uma realidade exclusiva dos países nórdicos nem a justificação será essa, pois tem igualmente raízes em países da Europa central como a Alemanha (vide SPD). O próprio partido comunista soviético começou por se chamar Partido Operário Social-Democrata Russo. Em sentido inverso tínhamos um tal de Partido Nacional Socialista que não consta que fosse de esquerda.
ResponderEliminarDe Wikipédia:
ResponderEliminarNo início de 1918, um partido chamado Freier Ausschuss für einen deutschen Arbeiterfrieden (Comitê livre para uma paz dos trabalhadores alemães) foi criado em Bremen, Alemanha.Anton Drexler, um serralheiro de Munique, formou uma ala deste comitê em 7 de março de 1918, em Munique. Em 1919, Drexler, com Gottfried Feder, Dietrich Eckart e Karl Harrer, mudaram seu nome para Deutsche Arbeiterpartei (Partido alemão dos trabalhadores, abreviado DAP).
Parecem-te de direita as origens do Partido Nacional Socialista?
Perante este argumento devo presumir que as origens do Partido Comunista Soviético são de direita.
ResponderEliminarEu não me atrevo sequer a "discutir" contigo a natureza do Partido Nacional Socialista reconhecidamente um dos mais aberrantes movimentos partidários de extrema direita.
Aconselho vivamente a leitura do livro "Os Homens do Fuhrer" de Ferran Gallego sobre as origens do PNS até ao inicio da 2ª guerra mundial.
Meu caro amigo, das duas uma: ou eu me expresso mal ou tu te estás a tornar numa espécie de mentalista, colocando sob minha responsabilidade frases e pensamentos que estão longe de corresponder à verdade. Permite-me que te refira que construíste a meu respeito uma espécie anátema que está muito longe de corresponder à realidade. Eu agradeço, como sempre, os teus sábios conselhos, nomeadamente os literários, mas eu próprio, de quando em vez e por mais absurdo que isso te possa parecer, também leio uma coisa ou outra.
ResponderEliminarQuem associou o NSDAP a esta discussão sobre o socialismo e a social democracia na europa foste tu e não eu. A (pouca) inteligência de que gozo permite-me o discernimento suficiente para saber que este não se trata de um partido socialista, mas que teve aí as suas mais remotas origens. Só isso, meu Amigo.
Um abraço,
A frase "parecem-te de direita as origens do PNS?" é minha?
ResponderEliminarQual é a conclusão que se pode tirar desta tua questão? Não pode ser outra(creio) que não seja o de associar as raizes do NS à esquerda senão a questão não faria sentido.
A associação do NS a esta discussão prendeu-se unicamente com o enquadramento de certos conceitos que na europa do sul associamos à Direita e à Esquerda mas que na Europa do Norte e Europa Central correspondem ao seu oposto, facto que não está necessáriamente ligado ao que é afirmado de que "a social democracia nórdica é o socialismo utópico do sul" mas sim por motivos relacionados com as raízes históricas quer dos conceitos de socialismo quer de social-democracia.
Como é evidente pela amizade que me liga à tua pessoa deixarei de lado qualquer comentário ao sarcasmo que pontua aqui e acolá a tua resposta, sobretudo porque sei que sabes que eu sei que te tenho em boa conta nos critérios de inteligência e de procura do conhecimento.
Eu agradeço a amizade e consideração e reitero a reciprocidade das mesmas.
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