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quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

O país morreu em Camarate

Francisco Sá Carneiro morreu em Camarate e, ainda que possa parecer exagero, com ele morreu o país. Não o país que conhecemos e que floresceu nos últimos 30 anos, mal governado e corrupto, mas o Portugal moderno, livre, democrata e social com que sonhava Sá Carneiro. 


Partiu precoce e inesperadamente quando contava 46 anos. Francisco Sá Carneiro, tinha uma visão única e modernista para Portugal. Homem com um sentido humanista e social sem paralelo deixou um país inteiro órfão das suas ideias.

Advogado de profissão e político de vocação, foi estudioso e discípulo da doutrina de Eduard Bernstein Karl Kautsky e decidiu combater, por dentro, a ditadura já enfraquecida pela Primavera Marcelista tendo sido eleito para a Assembleia Nacional. Assumiu-se rapidamente como líder da então denominada Ala Liberal contando com o apoio próximo e directo de homens como Mota Amaral, Magalhães Mota ou Francisco Pinto Balsemão.

O seu ensejo reformista levou-o a sonhar com um Portugal a caminhar gradualmente para a democracia, livre e ao jeito da social democracia nórdica. Foi o rosto da proposta de revisão constitucional de 1970 mas por não se ter ido tão longe como ansiava, demitiu-se do cargo. Voltou ao Porto, sua origem, onde com a ajuda de António Macedo, Mário Cal Brandão e Miguel Veiga fez surgir, já depois da Abril de 1974, o PPD, partido do qual foi o seu primeiro Secretário Geral.

No final de 1979 formou a Aliança Democrática com o PPM de Gonçalo Ribeiro-Teles e com o CDS de Diogo Freitas do Amaral, sucedendo a Maria De Lurdes Pintassilgo como Primeiro Ministro do VI Governo Constitucional a 3 de Janeiro de 1980, depois de ter conseguido a primeira maioria absoluta em democracia.

Dez meses após ter tomado posse e em plena campanha eleitoral para as presidenciais foi vítima de um atentado que o vitimou a si, a Adelino Amaro da Costa e à sua companheira de então, Snu Abecassis. Apoiante de António Soares Carneiro, preparava-se naquela noite de 4 de Dezembro de 1980 para discursar no comício de encerramento da campanha do General, mas um engenho explosivo tornou mais curta a sua viagem de Lisboa ao Porto. Francisco Sá Carneiro morreu em Camarate e, ainda que possa parecer exagero, com ele morreu o país. Não o país que conhecemos e que floresceu nos últimos 30 anos, mal governado e corrupto, mas o Portugal moderno, livre, democrata e social com que sonhava Sá Carneiro. 

Neste fatídico dia de 1980 iniciava-se também um dos mais vergonhosos episódios da história da democracia em Portugal - o caso Camarate, que seria o pronúncio da lógica de impunidade que conhecemos nos dias de hoje. Um inquérito preliminar foi instaurado imediatamente após o atentado. A conclusão, ou falta dela chegou praticamente um ano depois, a 9 de Outubro de 1981 e apontava para uma cada vez mais actual falta de indícios. Três dias depois Arala Chaves, à data PGR deliberou no sentido de se instaurar um processo público que, uma vez mais, a 16 de Fevereiro de 1983, determinou que o processo deveria aguardar produção de melhor prova. Instituiu-se a primeira Comissão Parlamentar de Inquérito e com base nas suas conclusões e testemunhos, entendeu o Ministério Público reabrir a investigação a 15 de Junho de 1983 requerendo a abertura de instrução preparatória, solicitando a inquirição dos Deputados que tinham composto aquela comissão, a fim de "esclarecerem todos os elementos novos e suplementares susceptíveis de conduzir à mais completa verdade material". 

Por entre avanços e recuos, pressões e lobbys, o processo conheceu outras nove Comissões Parlamentares de Inquérito. As conclusões da Quarta Comissão, conhecidas em 1991, apontam e reconhecem, finalmente, ter-se tratado de um atentado, tendo esta tese sido corroborada por todas as seis Comissões seguintes. 

Hoje parece ser mais ou menos consensual a tese de atentado, mas como em tantos outros casos, falta encontrar os responsáveis pelo crime e puni-los exemplarmente, mas como tão bem sabemos, por entre inquéritos, investigações, questões processuais, expedientes de advogados e juízes perniciosos, a montanha há-de, como sempre, parir um rato.

5 comentários:

  1. Que Portugal morreu em camarate? O Portugal do fim da monarquia, tão bem descrito pr Ramalho Ortigão e Eça? O Portugal da 1ª Republica que teve 48 governos em 16 anos, que matou 1 Presidente e teve em 19 Outubro de 1921 o seu retrato mais cru e violento. O Portugal da Ditadura Militar que não se governa nem se deixa Governar. O Portugal do Estado Novo, capado de iniciativa e abertura ao mundo, que tinha na desconfiança hereditaria entre os impreendedores "capitalistas" e o Portugal certo nas contas mas de vistas curtas e miseraveis. Portugal corrupto existia no antes do 25 de Abril, estava era só sujeito ao escrutinio de poucos. Quanto à morte de Sá Carneiro, concordo! Foi um homem do seu tempo do ponto de vista Europeu e Ocidental, foi um Homem muito à frente do seu tempo num Portugal "habitual". Quanto a que a Ditadura estava enfraqueciada pela Primavera marcelista...acho que não teria tempo para escrever o quanto discordo....se não vejamos partimos de 1958. Craveiro Lopes, General Delgado, Ocupação da India, Assalto ao Santa Maria, Revolta da Sé, Golpe Botelho Moniz, Inicio da guerrilha em Angola, demossão do General Venancio Deslandes e na mesma data do Ministro Adriano Moreira, revoltas estudantis com a demissão do Reitor Marcelo Caetano. Isto tudo entre 58 e 62!!!! Só 6 anos depois é que Salazar caiu da cadeira.

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  2. Morreu a esperança que o país tinha de se vir a transformar num país diferente, para melhor. Recordo uma afirmação sua: "Vivemos uma oportunidade única de construir um país novo, humano e justo e não apenas, um País para alguns"

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  3. Olha, afinal até és um Social-Democrata! Como te deverás estar a sentir nestes tempos que vivemos...? Faltou falar na recusa de atribuir maior autonomia de Governo a Angola e Moçambique, que feito no tempo proprio limitaria o raio de acção dos movimentos "terroristas". Miguel Oliveira

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  4. Olho à minha volta e não vejo Social Democracia nenhuma. Vejo um bando de gaiatos yuppies a debitarem lugares comuns e a oposição a dizer alarvidades.

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    1. E agora? Há alguma "plataforma" a formar-se no horizonte? Dizem que sim, mas não sei se agora poderá fazer muito diferente.

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