Francisco Sá Carneiro morreu em Camarate e, ainda que possa parecer exagero, com ele morreu o país. Não o país que conhecemos e que floresceu nos últimos 30 anos, mal governado e corrupto, mas o Portugal moderno, livre, democrata e social com que sonhava Sá Carneiro.
Partiu precoce e inesperadamente quando contava 46 anos. Francisco Sá Carneiro, tinha uma visão única e modernista para Portugal. Homem com um sentido humanista e social sem paralelo deixou um país inteiro órfão das suas ideias.
Advogado de profissão e político de vocação, foi estudioso e discípulo da doutrina de Eduard Bernstein e Karl Kautsky e decidiu combater, por dentro, a ditadura já enfraquecida pela Primavera Marcelista tendo sido eleito para a Assembleia Nacional. Assumiu-se rapidamente como líder da então denominada Ala Liberal contando com o apoio próximo e directo de homens como Mota Amaral, Magalhães Mota ou Francisco Pinto Balsemão.
O seu ensejo reformista levou-o a sonhar com um Portugal a caminhar gradualmente para a democracia, livre e ao jeito da social democracia nórdica. Foi o rosto da proposta de revisão constitucional de 1970 mas por não se ter ido tão longe como ansiava, demitiu-se do cargo. Voltou ao Porto, sua origem, onde com a ajuda de António Macedo, Mário Cal Brandão e Miguel Veiga fez surgir, já depois da Abril de 1974, o PPD, partido do qual foi o seu primeiro Secretário Geral.
No final de 1979 formou a Aliança Democrática com o PPM de Gonçalo Ribeiro-Teles e com o CDS de Diogo Freitas do Amaral, sucedendo a Maria De Lurdes Pintassilgo como Primeiro Ministro do VI Governo Constitucional a 3 de Janeiro de 1980, depois de ter conseguido a primeira maioria absoluta em democracia.
Dez meses após ter tomado posse e em plena campanha eleitoral para as presidenciais foi vítima de um atentado que o vitimou a si, a Adelino Amaro da Costa e à sua companheira de então, Snu Abecassis. Apoiante de António Soares Carneiro, preparava-se naquela noite de 4 de Dezembro de 1980 para discursar no comício de encerramento da campanha do General, mas um engenho explosivo tornou mais curta a sua viagem de Lisboa ao Porto. Francisco Sá Carneiro morreu em Camarate e, ainda que possa parecer exagero, com ele morreu o país. Não o país que conhecemos e que floresceu nos últimos 30 anos, mal governado e corrupto, mas o Portugal moderno, livre, democrata e social com que sonhava Sá Carneiro.
Neste fatídico dia de 1980 iniciava-se também um dos mais vergonhosos episódios da história da democracia em Portugal - o caso Camarate, que seria o pronúncio da lógica de impunidade que conhecemos nos dias de hoje. Um inquérito preliminar foi instaurado imediatamente após o atentado. A conclusão, ou falta dela chegou praticamente um ano depois, a 9 de Outubro de 1981 e apontava para uma cada vez mais actual falta de indícios. Três dias depois Arala Chaves, à data PGR deliberou no sentido de se instaurar um processo público que, uma vez mais, a 16 de Fevereiro de 1983, determinou que o processo deveria aguardar produção de melhor prova. Instituiu-se a primeira Comissão Parlamentar de Inquérito e com base nas suas conclusões e testemunhos, entendeu o Ministério Público reabrir a investigação a 15 de Junho de 1983 requerendo a abertura de instrução preparatória, solicitando a inquirição dos Deputados que tinham composto aquela comissão, a fim de "esclarecerem todos os elementos novos e suplementares susceptíveis de conduzir à mais completa verdade material".
Por entre avanços e recuos, pressões e lobbys, o processo conheceu outras nove Comissões Parlamentares de Inquérito. As conclusões da Quarta Comissão, conhecidas em 1991, apontam e reconhecem, finalmente, ter-se tratado de um atentado, tendo esta tese sido corroborada por todas as seis Comissões seguintes.
Hoje parece ser mais ou menos consensual a tese de atentado, mas como em tantos outros casos, falta encontrar os responsáveis pelo crime e puni-los exemplarmente, mas como tão bem sabemos, por entre inquéritos, investigações, questões processuais, expedientes de advogados e juízes perniciosos, a montanha há-de, como sempre, parir um rato.